setembro 28, 2013

A saúde e o bem-estar espiritual

Espiritualidade, Bem-estar espiritual, Psicologia trans pessoal, Saúde
por: Luciana Fernandes Marques

A espiritualidade tem sido pouco enfatizada e focalizada quando se trata de saúde e doença nas ciências da saúde. As pessoas que estão bem, com saúde e bem-estar, relatam sentimentos de valores e espiritualidade e integração com a ordem divina (chamada de formas diferentes, conforme a religião ou sistema filosófico). Nas pessoas que adoecem, esses componentes também se acham presentes, seja como um sentimento de abandono por Deus ou dúvidas religiosas, seja como sementes de cura e de saúde em meio a um processo de enfermidade.

A espiritualidade pode surgir, na doença, como um recurso interno que favorece a aceitação da doença, o empenho no restabelecimento, a não evitação de sentimentos dolorosos, o contato e o aproveitamento da ajuda das outras pessoas e até a própria reabilitação. Isso nos remete à sua essência básica (se é que se pode localizar uma essência na espiritualidade) como um fator de saúde e realça sua importância nos processos de prevenção de doenças, manutenção da saúde ou de reabilitação e cura.

Mesmo nas propostas mais holísticas, a espiritualidade vem sendo marginalizada, não incluindo, no seu “biopsicossocial”, o espiritual. A OMS (Organização Mundial da Saúde) já sinalizou uma mudança de filosofia nas práticas de cuidado à saúde, incentivando certas práticas alternativas e enfatizando a prevenção e a promoção da saúde (Marín, 1995). O conceito de saúde também temse alterado e se tornado mais complexo, muitos estudos têm acrescentado a dimensão espiritual, mas uma atenção mais acurada não tem sido prestada a essa que é a mais sutil das esferas.

Em função dessa preocupação dos teóricos transpessoais, foi integrado no último DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – IV) uma nova categoria de diagnóstico que se refere a problemas espirituais ou religiosos. A proposta foi de um grupo de clínicos transpessoais que se deparavam com a ocorrência de emergências transpessoais (problemas, dificuldades, angústias associados à experiências e práticas espirituais) em pacientes clínicos (Lukoff et al., 1998).

A base teórica deste estudo é a Psicologia Transpessoal, que é um campo de investigação, aplicação e estudos científicos sobre a espiritualidade da natureza humana e do potencial presente em todas as pessoas para se desenvolverem a um ponto máximo. A integração das experiências espirituais é uma das finalidades para uma ampla compreensão da psique humana (Washburn, citado por Smith, 1995). Essa área abrange os fatores psicológicos que facilitam ou inibem o contato e a compreensão do fator transpessoal e os efeitos das experiências transpessoais na vida das pessoas.

Os conteúdos básicos da Psicologia Transpessoal incluem: o aprofundamento na religião e nas experiências religiosas, a parapsicologia, a investigação sobre a consciência e os estados alterados de consciência (induzidos por hipnose, relaxamento, meditação e outros) (Marques, 1996). Há também uma preocupação pelo estudo da relação existente entre Psiquiatria, espiritualidade e psicose, em uma forma de encarar o fenômeno que as teorias psicológicas têm negligenciado, seja o potencial de saúde da espiritualidade, seja a patologia espiritual. A Psicologia Transpessoal “busca uma síntese e oferece o estudo de outros aspectos ainda não abordados e que podem ampliar a visão do psiquismo humano” (França, 1997, p.87).

O conceito de saúde adotado neste trabalho não se restringe à adaptação da pessoa ao meio, nem ao comportamento observável, nem à presença de sintomas, mas reflete em que medida ela está se desenvolvendo internamente, crescendo como pessoa, nas suas habilidades, relacionamentos e formas de encarar o mundo. “A saúde é um continnum bipolar, onde não há um limite preciso entre esta e a enfermidade e, sim, graus e expressões diversas, num processo de reações diante de estímulos internos e externos” (Sarriera et. al., 1996). No processo de saúde, a pessoa tende à plenitude de sua auto-realização como entidade pessoal e como entidade social (Marín, 1995). É parte de um olhar amplo, de promoção e de prevenção que enfoca a saúde como uma expressão da realização do potencial de desenvolvimento humano, das capacidades para uma auto-realização plena, sendo essa realização uma responsabilidade pessoal a ser investida autonomamente, embora estimulada, apoiada e instrumentalizada socialmente.

O que se questiona é se a pessoa que desenvolve sua espiritualidade, que valoriza o sagrado na sua vida pode melhor proporcionar essa atenção e cuidado à saúde integral. Kurtz et al. (1995) afirmam que há maior probabilidade de se encontrar bons hábitos de saúde, comportamentos de apoio aos outros e, portanto, bem-estar psicológico, em pessoas que têm uma visão espiritual positiva frente à vida. A perspectiva espiritual inclui conteúdos existenciais que, por sua vez, têm profundas implicações no bem-estar físico e psicológico (Wong e Fry, 1998).

O bem-estar espiritual significa em que medida ocorre a abertura da pessoa para a dimensão espiritual que permite a integração da espiritualidade com as outras dimensões da vida, maximizando seu potencial de crescimento e auto-atualização. Westgate (1996) considera que a dimensão espiritual é um componente do funcionamento humano que atua na integração de outros componentes. Através dessa capacidade de integração, de unidade de vários domínios da vida, se observa que as pessoas têm a capacidade para a saúde através da transcendência de limites ordinários. Reed (1992) dá alguns exemplos de componentes que representam essa capacidade de transcendência e de integração: esperança, generosidade, sentido, experiência mística e comportamentos religiosos.

A espiritualidade parece favorecer uma ótica positiva frente à vida que funciona como um pára-choque contra o estresse: frente a situações perturbadoras e a eventos traumáticos, a pessoa com bem-estar espiritual proveria significados para essas experiências e as redirecionaria para rumos positivos e produtivos para si e para os outros. Uma das fontes dessa ação construtiva é o sentimento de apoio emocional advindo da sua relação significativa com o absoluto (ou, em outros termos, com Deus).

Alguns teóricos têm explorado a relação da espiritualidade no crescimento humano, e têm se perguntado em que medida a adoção de uma perspectiva espiritual se relaciona com a saúde geral da pessoa. Hamilton e Jackson (1998) enfatizam que o conceito de espiritualidade é um componente vital para o modelo holístico de saúde, que, suscintamente, considera a inter-relação do bemestar físico, emocional, mental, social, vocacional e espiritual. Westgate (1996) considera o desenvolvimento da espiritualidade importante para a saúde mental, pois sem ela podem surgir sentimentos de desesperança, sensação de falta de sentido de vida e depressão.

Em um estudo sobre essa interface saúdeespiritualidade, Waite et al. (1999) encontraram indícios de que, em uma avaliação de comportamentos de saúde, uma medida que contenha saúde espiritual é mais eficaz do que outra composta apenas por variáveis psicossociais (como auto-estima, locus de controle, senso de coerência e outras). Ditas variáveis psicossociais muitas vezes compõem a saúde espiritual, que é mais ampla.

Um aspecto central da inter-relação saúdeespiritualidade é o quanto a segunda oferece recursos para enfrentar situações estressantes inevitáveis na vida, mantendo um nível ótimo de saúde. O que se tem observado é que a eficácia no enfrentamento a determinados estressores pode ser correlacionada com a integração de crenças, emoções, relacionamentos e valores, na resposta da pessoa a esses estressores (Pargament et al., 1998), isto é, a perspectiva que a pessoa assume frente uma situação estressora e o modo como encara essa vivência são fundamentais para os resultados do seu enfrentamento. Os resultados negativos de enfrentamento são aqueles que apontam para uma quebra da integração interna, perda de valores religiosos, fortes sentimentos de raiva de Deus, dúvida ou confusão no seu sistema de crenças.

A sensação de incapacidade para se adaptar às novas exigências (fatores estressores) é uma queixa comum na enfermidade. A pessoa não visualiza recursos para enfrentar sua situação (seja um luto, perda econômica, desemprego) e isso é parte de um comportamento não-saudável. Os comportamentos não adaptativos, mesmo que em si mesmos não possam ser considerados mórbidos, conduzem a outros comportamentos ou manifestações de enfermidade (Santacreu et al., 1992).

As dificuldades no enfrentamento por vezes se relacionam às dificuldades de se readaptar frente a um fator estressor, como, por exemplo, nas pessoas que têm sua rotina alterada rapidamente ou em pessoas que têm uma rotina variada de programações imprevisíveis (como enfermeiros, bombeiros, aviadores). Brown (1999) indica que há maior probabilidade de adoecimento em pessoas que tiveram muitas mudanças significativas na vida em curto espaço de tempo. Um elemento importante em um processo de adaptação são as crenças religiosas, que dão significado e sentido à experiência estressante (Marín, 1995); um exemplo é o caso relatado por Marín (1995), no qual as pessoas capazes de se adaptar à enfermidade crônica são aquelas que têm recursos psicológicos para manter sua auto-estima, encontrar um sentido na enfermidade e manter a esperança. O que se questiona é em que medida a espiritualidade pode funcionar como um elemento organizador interno que proporcione rápida adaptação.

Chandra et al. (1998) observaram pacientes oncológicos durante o curso do tratamento com radioterapia e detectaram uma diminuição dos escores de bem-estar e de algumas dimensões, como a percepção do suporte familiar e grupal, e um aumento das dimensões de sentimentos positivos, enfrentamento, suporte social (excluindo o familiar) e bem-estar espiritual. O que a maior parte dos estudos permite concluir é que o bem-estar espiritual é uma experiência de apoio, de fortalecimento buscado propositadamente pela pessoa para a realização de um enfrentamento de sucesso.

Metodologia

A amostra escolhida é da área metropolitana de Porto Alegre. Os participantes do estudo foram adultos de 16 a 78 anos, sendo 237 homens e 269 mulheres. A amostra foi escolhida a partir do procedimento amostral polietápico (baseado nos trabalhos de Sarriera, 1993 e Sarriera et al., 1996), que combina diversos métodos, seqüenciados por uma série de etapas. O tamanho da amostra é proporcional ao número de seções de cada distrito eleitoral do município, sendo que as seções foram sorteadas.

O questionário aplicado foi composto do Questionário de Saúde Geral, Escala de Bem-estar Espiritual e de uma parte inicial de dados de identificação e demográficos. Para verificar a saúde geral, fez-se uso do Questionário de Saúde Geral (QSG) de Goldberg. O QSG foi adaptado para a realidade brasileira (Pasquali et al., 1994, p. 433) e avalia o grau de desvio do comportamento normal, comparando o estado de saúde atual com o usual.

No QSG são 6 os fatores: (1) tensão ou estresse psíquico, (2) desejo de morte, (3) falta de confiança na capacidade de desempenho, (4) distúrbios do sono, (5) distúrbios psicossomáticos e um último fator, que é a soma dos anteriores e se refere à severidade dos distúrbios psiquiátricos não psicóticos.

A Escala de Bem-estar Espiritual (EBE, Spiritual Well-being Scale de Paulotzian e Ellison, 1982) foi adaptada para fins deste estudo e é um instrumento subdividido em duas sub-escalas, uma de bem-estar religioso e outra de bem-estar existencial. Os itens referentes ao bem-estar religioso contêm uma referência a Deus, e os de bem-estar existencial não contêm tal referência. O bem-estar espiritual é entendido como uma sensação de bem-estar experimentada quando encontramos um propósito que justifique nosso comprometimento com algo na vida, e esse propósito envolve um significado último para a vida (Ellison, 1983). Essa sensação é uma síntese de saúde, um sentimento de completude e de satisfação com a vida, de paz consigo mesmo e com o mundo, de unidade com o cosmos, de proximidade com o Absoluto ou com a natureza (Blomfield, 1980).

O bem-estar religioso, como um fator da EBE, é considerado como o bem-estar referente a uma comunhão e relação pessoal íntima com Deus ou com uma força superior. É considerado como uma dimensão vertical da espiritualidade e no item contém uma referência a Deus (números impares da escala) (Paulotzian e Ellison, 1982).

O bem-estar existencial se relaciona àquela satisfação geral com a vida relacionada a uma dimensão horizontal de espiritualidade, ou seja, o bem-estar no mundo, incluindo satisfação e sentido de vida (números pares da escala) (Paulotzian e Ellison, 1982).

Os participantes foram localizados em suas residências, em praças, nas ruas, paradas de ônibus e tàxi e em bares, em horários variados, inclusive à noite e nos finais de semana. Estando o entrevistador no local da coleta, foi seguido um procedimento de amostragem que obedecia a uma certa facilidade de acesso, quando observava disponibilidade dos respondentes, sendo que alguns entrevistadores procuraram pelos respondentes nas suas residências. Os instrumentos foram apresentados com um pequeno raport.

Os entrevistadores foram 11 estudantes da Faculdade de Psicologia da PUCRS que participaram como auxiliares de pesquisa, previamente treinados para a aplicação do questionário. Os participantes foram informados sobre o objetivo da aplicação do instrumento e o sigilo em relação aos dados pessoais.

Os resultados da aplicação do questionário foram codificados e tratados pelo programa estatístico SPSSWIN. Foram realizadas análises descritivas dos dados, correlacionais e multivariadas.



Resultados

As 506 pessoas que participaram da pesquisa tinham entre 16 e 78 anos (média de 38,03 anos e desvio padrão 15,07), sendo 237 homens (46,8%) e 269 mulheres (53,2%).

Uma pergunta sobre a avaliação subjetiva da própria saúde: “Como está sua saúde?”, que é uma questão relativa à avaliação subjetiva do próprio estado de saúde: 47,4% escolheram a resposta “boa”; 31,6%, “muito boa”; 14,4% escolheram “nem ruim, nem boa”; 4,2%, “fraca” e somente 2,4% optaram por “muito ruim”. A média geral dos 506 sujeitos recaiu em 4,01, equivalente a uma saúde subjetiva “boa”.

O Questionário de Saúde Geral (QSG) é composto por 60 questões, com 4 opções de resposta para cada questão, de 1 (melhor saúde) a 4 (pior saúde). Ver tabela 1.



Do total da população, 17,7% teve a média geral do questionário superior a 2,33, considerada (Pasquali et al., 1996) acima do percentil 90, que indica distúrbio mental.

A Escala de Bem-estar Espiritual (EBE) é composta de 20 questões, com 6 opções (Likert) de respostas, indo de 1 a 6 (sendo 1 o menor bem-estar espiritual e 6 o maior). Na tabela 2 encontram-se as médias da escala como um único fator e dos outros dois fatores da escala, bem-estar existencial (EXIS) e bem-estar religioso (RELIG). Nessa tabela, o maior desvio padrão é o do bem-estar religioso, revelando maior dispersão e maior heterogeneidade do grupo, e a média do bem-estar religioso é mais alta do que a do bem-estar existencial.



Na análise bivariada, são buscadas associações significativas (<0 a="" anova.="" as="" atrav="" bem-estar="" cada="" como="" correlacionados:="" dados="" das="" de="" demogr="" do="" duas="" e="" ebe="" escalas="" espiritual="" estat="" fatores="" ficos.="" foram="" geral="" identifica="" o:p="" o="" os="" qsg="" rio="" s="" sa="" scala="" stico="" teste="" todo="" uestion="" um="" vari="" veis="">

A questão relativa à avaliação subjetiva da própria saúde revelou, na ANOVA, associações significativas tanto com a EBE (0,000) e seus fatores (EXIS com 0,000 e RELIG com 0,000) quanto com o QSG (0,000) e seus fatores. Para todos eles, apresentou 0,000 de significância. A questão indagava: “Como está sua saúde?”.

No gráfico 1, encontra-se registrada a relação entre as respostas da questão sobre a avaliação subjetiva da própria saúde e os fatores do Questionário de Saúde Geral. As pessoas que consideram sua saúde fraca (resposta 2) têm escores mais altos no QSG (ou maior índice de distúrbios).



distúrbios psicossomáticos; descon= confiança na capacidade de desempenho; Geral= severidade da ausência de saúde mental 1=muito ruim; 2= fraca; 3= nem ruim, nem boa; 4= boa; 5= muito boa

Na tabela 3 pode-se observar a tendência de que, quanto melhor a avaliação subjetiva da própria saúde, maior o bem-estar espiritual, existencial e religioso.



*1=muito ruim; 2= fraca; 3= nem ruim, nem boa; 4= boa; 5= muito boa

Na tabela 4, a seguir, são apresentadas as duas escalas (QSG e EBE) e seus fatores, que foram correlacionados e apresentaram associação significativa na correlação de Pearson.



*EBE= Escala de Bem-estar Espiritual; EXIS= bem-estar existencial; RELIG= bem-estar religioso; STREP= estresse psíquico; MORT= desejo de morte; DESCO= Confiança na capacidade de desempenho; SONO= distúrbio do sono; PSICO= distúrbio psicossomático; GERAL= severidade da doença mental. **correlação significativa a 0.01.

Na tabela 4, podemos observar associações significativas, na presença de dois asteriscos, entre as duas escalas usadas neste estudo e todos os seus fatores. Neste dado estaria a síntese do objetivo deste estudo, que era observar se há uma inter-relação significativa entre saúde e bem-estar espiritual; as associações sugerem que sim.

As associações da EBE com seus fatores naturalmente são maiores e positivas, assim como do QSG com seus fatores. As associações entre a EBE e QSG são negativas, revelando que, quanto maior o bem-estar espiritual, menor o distúrbio mental, e quanto maior o distúrbio, menor o bem-estar espiritual. O resultado do questionário de saúde geral não é a saúde, mas justamente a ausência dela, ou a severidade do distúrbio de saúde; em função disso, as correlações entre as duas escalas são negativas. Poderia ser afirmado, então, que a correlação entre saúde e bem-estar espiritual é positiva.

Entre as menores associações, estão bem-estar religioso e distúrbio do sono, e bem-estar religioso e distúrbio psicossomático, e entre as maiores, bem-estar existencial e estresse psíquico, e bem-estar existencial e saúde geral.

A análise de regressão múltipla (stepwise) realizada revelou que as variáveis preditoras mais significativos da EBE explicam 24,1% da variância. Na tabela 5, estão dispostas em ordem de importância.



Os preditores do bem-estar espiritual se repetem no bem-estar existencial, com exceção da (2.) opção religiosa e (7.) dos níveis educacionais, e aparecem as variáveis estresse psíquico e distúrbios psicossomáticos. A análise de regressão múltipla revelou, então, 10 variáveis preditoras, que explicam 28,7% da variância total do fator bem-estar existencial (ver tabela 6).



Os preditores do bem-estar espiritual também se repetiram no bem-estar religioso, com exceção do (3.) número de filhos, (5.) sofrimento de evento estressante, e (9.) tratamento psicológico ou psiquiátrico, e aparecendo as variáveis idade e sexo.

Na tabela 7, encontram-se os 8 preditores mais significativos do bem-estar religioso, que explicam 18,6% da variância total da variável.



A tabela 8 apresenta a análise de regressão múltipla dos cinco fatores do QSG.



* EXIS= bem-estar existencial; sexo= masculino ou feminino; saúde 1= avaliação subjetiva da própria saúde; saúde 2= problema crônico de saúde

As variáveis preditoras se repetem, sendo que “problema crônico de saúde” só é preditor de distúrbio psicossomático, e “sexo” é preditor de confiança na capacidade de desempenho, estresse psíquico (esses dois são significativamente maiores nas mulheres) e distúrbios psicossomáticos.



Discussão e Conclusões

Este estudo teve como objetivo principal observar se a espiritualidade se relaciona significativamente com a saúde geral das pessoas. Os dados levantados dão suporte para se afirmar que há uma relação positiva significativa entre saúde e bem-estar espiritual. Os testes (QSG e EBE) e todos seus fatores obtiveram correlações altamente significativas entre si, o que demonstra importantes associações entre os temas. Apareceu, igualmente, uma correlação negativa significativa entre o bem-estar espiritual e a severidade do distúrbio mental. Isso indica que um alto bem-estar espiritual se encontra associado à saúde mental, e inversamente associado ao adoecimento mental.

Em outras variáveis, também se pode confirmar a relação entre saúde e espiritualidade. A questão relativa à avaliação subjetiva da própria saúde também revelou associações significativas com a EBE e seus fatores. A tendência de que, quanto melhor a avaliação subjetiva da própria saúde, maior o bemestar espiritual (existencial e religioso), também apoia a idéia de uma correlação entre a saúde percebida e o bem-estar espiritual. A saúde subjetiva, deve-se ressaltar, foi a primeira (principal e de maior influência) variável preditora do bem-estar espiritual e do bem-estar existencial, e foi a segunda preditora do bem-estar religioso. E ainda: um dos fatores da EBE, o bem-estar existencial, apareceu como um dos principais preditores do QSG e de seus fatores.

Esses dados apoiam ao que se referia Larson (1996), ao fato de que a concepção de saúde como biopsicossocial deve ser ampliada incluindo a dimensão espiritual. Hamilton e Jackson (1998) também enfatizam que o conceito de espiritualidade é um componente vital para o modelo holístico de saúde que, suscintamente, considera a inter-relação do bem-estar físico, emocional, mental, social, vocacional e espiritual. E Westgate (1996) considera o desenvolvimento da espiritualidade importante para a saúde mental, pois sem ela podem surgir sentimentos de desesperança, sensação de falta de sentido de vida e depressão. Dessa forma, se justificam como altamente relevantes os dados encontrados por este estudo.

A partir dos preditores do bem-estar espiritual, podemos depreender quem são as pessoas que têm maior bem-estar espiritual:

1. aqueles que avaliam ou percebem sua saúde de forma positiva: sendo esse o principal preditor, observa-se a conexão entre espiritualidade e saúde;
2. que têm uma religião (ao contrário daqueles que se dizem sem religião);
3. que possuem de 1 a 3 filhos (aquelas pessoas que não têm nenhum filho ou tem 4 filhos ou mais têm menor bem-estar espiritual): parece que vale aqui a questão do equilíbrio, os extremos contam com menor bem-estar espiritual;
4. não sofreram evento estressante: o evento estressante pode apontar para uma quebra da integração interna, perda de valores religiosos, fortes sentimentos de raiva de Deus, dúvida ou confusão no seu sistema de crenças e alterar o mundo religioso da pessoa (Pargament et al., 1998); 5.não têm problema crônico de saúde;
6. trabalham;
7. têm níveis educacionais baixos e médios, no que tange à religiosidade;
8. têm níveis altos de educação, no que tange ao bem-estar existencial;
9.não estão em tratamento psicológico ou psiquiátrico: possivelmente não sentem necessidade de tratamento nem indicação médica.

Já os preditores da saúde geral não foram muitos e baixo também foi o percentual da variância explicada (8,7%); foram eles: bem-estar existencial e saúde percebida. As pessoas que têm melhor saúde e menor presença de distúrbios são aquelas com alto bem-estar existencial e que percebem sua saúde como boa ou muito boa. A baixa variância explicada significa que existem outras variáveis que explicam a saúde fora das variáveis contempladas por este estudo.

Em termos científicos, olhando para o fenômeno e subdividindo-o em partes, poderíamos dizer que a espiritualidade se relaciona com a saúde geral justamente através do aspecto existencial (que é um dos principais preditores tanto do QSG, quando dos seus outros 5 fatores). Isso quer dizer que a espiritualidade influencia a saúde principalmente através dos seus aspectos existenciais.

Frankl (1990) desenvolveu ao longo de sua obra uma ótica existencial da espiritualidade e afirmava que uma missão a cumprir na vida, um sentido a realizar (ou o que chamamos aqui de bem-estar existencial), influenciava sobremaneira a saúde geral da pessoa. Essa missão poderia ser um objetivo de vida adequado, alguém que se ame ou um trabalho a desenvolver, em suma, uma atividade externa ao indivíduo que esteja de acordo com suas aptidões, que ele seja capaz de enfrentar e que lhe ofereça desafios permanentes. Ilustra essas considerações com a situação de campo de concentração, onde sobreviviam e se mantinham íntegros aqueles que possuíam uma visão positiva da vida e do mundo (mesmo frente a condições tão desfavoráveis).

A íntima relação com Deus, a sensação do sagrado na vida, as emoções de compaixão e amor ao próximo, enfim, a religiosidade, não ajuda muito se não é praticada, distribuída aos seres e ao mundo, contagiando o trabalho e as relações, proporcionando uma visão global da vida individual e o seu sentido para a família, a cidade, o universo. O que parece ocorrer é que a religião sem o aspecto existencial não ajuda muito.

Se a espiritualidade é vivenciada e desenvolvida através de uma religião, esta deveria estimular não somente o contato com o Absoluto, com o divino, com a essência da vida, mas principalmente a aplicação dessas experiências na vida cotidiana, no enfrentamento de situações corriqueiras, nos pequenos desafios. De outra forma, ela pode servir como um ópio que cria um reduto onde a interferência do mundo externo não é bem-vinda – assim como naquelas piadas em que alguém bate na campainha, insiste, e tenta mais algumas vezes, até que abre a dona da casa, muito mal-humorada e irritada, e diz: “Tinha que bater justamente agora que estou a rezar pela paz no mundo?”. Isso revela uma dissociação entre a religiosidade e a prática na vida cotidiana.

Então, quando vivenciada e praticada no mundo, a religião redunda em bem-estar existencial e assim, tem uma associação maior com a saúde. A perspectiva espiritual inclui conteúdos existenciais que por sua vez, tem profundas implicações no bemestar físico e psicológico (Wong e Fry, 1998). Se a perspectiva espiritual adotada pela pessoa não inclui esses conteúdos, podemos supor que não beneficie, necessariamente, sua saúde.

Neste estudo, enfatizou-se o papel da espiritualidade na saúde geral da pessoa. Os dados revelaram também o importante papel da religião, seja para a melhora, seja para a diminuição da saúde. Se um dos conteúdos básicos da Psicologia Transpessoal é o aprofundamento na religião e nas experiências religiosas (Marques, 1996), e os resultados deste estudo apontam a importância do bem-estar espiritual na saúde geral da pessoa, podemos ressaltar o valor da Psicologia Transpessoal como uma teoria. A Psicologia Transpessoal “busca uma síntese e oferece o estudo de outros aspectos ainda não abordados, e que podem ampliar a visão do psiquismo humano” (França, 1997, p.87). Ela se destina ao estudo de áreas comumente marginais à ciência psicológica por serem vistas como esotéricas ou místicas, mas áreas, estas, fundamentais no contexto de saúde geral do ser humano. O potencial de saúde da espiritualidade foi aqui explorado; no entanto, estudos futuros deverão aprofundar a temática, além de focalizar a patologia espiritual ou as patologias decorrentes da prática espiritual, as chamadas “emergências espirituais” (Grof e Grof, 1989) e também esclarecer que fatores psicológicos facilitam ou inibem o contato e a compreensão do transpessoal e os efeitos das experiências transpessoais na vida das pessoas.

As implicações da associação significativa entre espiritualidade e saúde são amplas. Se ambas mantém uma correlação significativa para a população, da qual esta amostra é parte, significa que a espiritualidade é um recurso promissor de manutenção da saúde, prevenção, cura e reabilitação. Assim, parece salutar que, em uma ampla consideração dos fatores que compõem a saúde, a espiritualidade seja mais enfatizada. Os resultados deste estudo sugerem que as pesquisas e a prática do trabalhador de saúde podem se enriquecer com essa dimensão humana, sem receio de estar saindo do fazer da Psicologia como profissão, e entrar no terreno místico.

O místico, fora da área psi., seria usar a espiritualidade de forma deturpada, sem a compreensão do seu papel no desenvolvimento humano e sem a genuína motivação de com ela beneficiar aqueles com quem trabalhamos. As formas de acessá-la também podem ser consideradas místicas se não têm um fundamento psicológico de apoio. A maior parte das técnicas que objetivam trabalhar a espiritualidade, em uma visão de desenvolvimento de saúde, podem ser fundamentadas tanto pela ótica psicológica como aproveitando insights das tradições religiosas e esotéricas. A forma como essa integração é feita dirá se o profissional está saindo do seu papel de psicólogo. É importante que o psicólogo trabalhe com rigor metodológico e fundamente amplamente seu trabalho, principalmente a partir dos conhecimentos da área da Psicologia, mas que não desatenda dimensões tão caras, suas e daqueles com quem trabalha.

A dimensão espiritual não requer condições especiais; pode ser trabalhada individualmente, em grupos, por pessoas com altos níveis educativos e com analfabetos, em ambientes variados em um leito de hospital, em pé, no Movimento Sem Terra – como tive a oportunidade de conferir –, nos gabinetes psicológicos, empresas, pessoas de todas as idades – inclusive crianças. Na prática, pode ser facilmente estimulada e desenvolvida, já que não requer arsenal tecnológico e técnico. É uma dimensão melhor acessada pela inspiração do profissional, pelo próprio desenvolvimento espiritual a que ele leva a cabo, criatividade, empatia e fatores menos calculados. Os valores, ética, sensibilização para o sagrado na vida, moralidade, geram um clima da melhor qualidade para o desenvolvimento humano e auto-superação. Como diz Kornfield (1997), se uma espiritualidade desenvolvida ama e cuida a vida, como a saúde não melhoraria?



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 Endereço para correspondência
Luciana Fernandes Marques
Porto Alegre - RS
E-mail: lucianafm@terra.com.br

Recebido 10/10/02
Aprovado 18/02/03





* Doutora em Psicologia (PUCRS). Professora do Curso de Abordagem Centrada na Pessoa (Pós-Graduação da LaSalle, Canoas-RS). Consultora organizacional.
  

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Publicado por: Dra. Shirley de Campos




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